quinta-feira, 15 de outubro de 1992

Dólar: O referencial de preços de um Brasil inflacionado

São cada vez mais comuns as transações financeiras, feitas no Brasil, que usam o dólar como parâmetro de preço. Por um lado, este recurso é utilizado por causa da inflação alta que deixa os comerciantes e consumidores sem a exata noção de quanto vale um produto e de quanto valerá no dia seguinte. Por outro, tendo a inflação como justificativa, o uso da moeda norte-americana é um processo altamente inflacionário que colabora ativamente para elevar ainda mais os preços no mercado nacional.

No Brasil, uma lei de 1967 proíbe expressamente o uso de qualquer moeda estrangeira na elaboração de contratos, que devem utilizar sempre a moeda nacional por mais desvalorizada que esta se apresente. Informalmente, entretanto, as "verdinhas" são colocadas nos anúncios classificados, nas lojas de carros e até nos shoppings, estipulando o preço das roupas.

Segundo o economista Lauro Vieira de Faria, chefe do Centro Monetário Internacional da Fundação Getúlio Vargas, cada vez que a inflação aumenta, fica mais difícil para as pessoas manterem os preços reais na memória. O economista explica que como não existe mais indexadores como a ORTN, a OTN ou a BTN, as pessoas passaram a usar o dólar, que sempre acompanha o índice inflacionário. Para o economista da FGV, a utilização deste referencial colabora com a inflação a partir do momento que vários agentes econômicos, empresas e pessoas físicas, cotam seus produtos em dólar, fazendo com que a inflação se perpetue. Sobre a lei que proíbe o emprego de moedas estrangeiras e contratos, Lauro Vieira de Faria a firma que informalmente é lícito como referência monetária, mas não expresso em documento. Apesar disso, ele admite que um Governo mais rigoroso poderia punir, por exemplo, o uso do dólar em anúncios classificados, o que no Brasil é uma prática perfeitamente normal.

Esta tendência não é privilégio só do Brasil. Em vários países da América Latina, onde o processo inflacionário se apresenta de forma crescente, o dólar tende a ser usado como referencial. Para o economista, não se trata apenas de uma característica dos países do Terceiro Mundo, pois mesmo na América do Sul, várias Nações mantêm taxas de inflação baixas, como o Chile, Bolívia, Costa Rica e outros.

E por falar em dólar, atualmente os noticiários econômicos mencionam constantemente a "dolarização" como um recurso já utilizado em vários países para conter o avanço da inflação. Supostamente, a nova equipe econômica do Ministro Gustavo Krause iria lançar mão deste. Segundo o economista Lauro Vieira, esta possibilidade já foi descartada pelo presidente em exercício, Itamar Franco, e também pelo novo ministro. "Eles garantiram que não vai haver dolarização, congelamento ou pré-fixação de preços. Nós estamos confiando", afirma ele.

Este processo consiste no Governo estipular um preço para o dólar e não permitir que haja variação cambial. De acordo com o especialista da Fundação Getúlio Vargas, este é um tratamento arriscado porque o Governo teria que tomar medidas muito severas nas áreas monetária e fiscal para que esta taxa de câmbio se mantivesse. Ele adverte que para o Brasil em particular, este método é totalmente desaconselhável, pois é um tratamento radical que só deve ser empregado quando há hiper-inflação, o que não é o caso do Brasil. "Na Argentina, por exemplo, a "dolarização" foi utilizada há cerca de um ano e já começa a apresentar grandes falhas. A inflação já chega a 40 por cento. Além de ser altamente desestimulante para o exportador, pois o custo interno aumenta e a receita se mantém paralisada", finaliza Lauro Vieira de Faria.


Fonte: Jornal El Shadai, nº2, pág 5, Outubro 92.


Nenhum comentário:

Postar um comentário