quarta-feira, 20 de janeiro de 1993

Deus é demais! Ricardo Machado

Ele era apenas uma criança. Tinha 13 anos de idade quando enveredou-se pelo caminho dos tóxicos. Sem pai e sem mãe, Ricardo Machado Rainha cresceu fumando maconha e cheirando cocaína no Morro do Andará. O dono do "movimento", era nada mais nada menos do que um dos seus irmãos. A droga vinha fácil e Ricardo a cada dia envolvia-se mais intensamente naquele mundo de vícios.

Era tanta "doideira" que às vezes Ricardo se drogava por quatro dias seguidos. O nariz chegava a sangrar de tanto cheirar "pó". Mas apesar de tantas "loucuras" e "viagens", Ricardo sentia-se insatisfeito...

Caçula de uma família de seis irmãos, Ricardo, certo dia ficou sabendo que uma irmã da igreja, de uma das cunhadas tivera uma visão. Segundo ela, a casa do irmão de Ricardo, que era traficante da área, seria cercada por um exército inimigo. Passado algum tempo, o que parecia apenas um pressagio, tomou-se realidade. Alguns comparsas começaram a ambicionar a "boca" e a guerra pelo domínio do tráfico começou. O morro do Andaraí se dividiu. Ricardo foi alertado por alguns moradores de que um tal "fulano" iria matar o seu irmão para ficar com o domínio do tráfico. Passado algum tempo, este homem bateu a porta de Ricardo para tirar satisfações. Ambos discutiram e Ricardo levou um tapa no rosto. "Naquele momento, senti ímpeto de pegar o revólver, mas graças ao Senhor me controlei," revela.

Fui casa desse meu irmão que estava marcado para morrer, ele não acreditou no que eu disse e me expulsou da gerência de uma das "bocas". Decorrido alguns dias vi um tumulto, aproximei-me e reconheci o tal homem com quem discutira. Ele estava cercado pela quadrilha de meu irmão. "O mano tinha descoberto a traição", pensei. Ele me chamou eentregou-me o revólver calibre 38 para que eu atirasse no inimigo. As lembranças do tapa no rosto vieram a minha mente, enquanto escutava o diabo falar em meu ouvido para que eu atirasse sem dó e sem piedade. Os outros homens gritavam e diziam que bastava dar um tiro de raspão, que eles termirnariam o serviço. A tentação era muita... Uma guerra se passava dentro de mim. O bem e o mal lutavam entre si e graças ao Senhor o bem triunfou. Não tive coragem de apertar aquele gatilho e o sujeito chorando foi banido do morro pelo meu irmão.

Só que todos nós nos enganamos porque mal conseguiu se livrar, o traidor espalhou para os outros "gerentes" que meu irmão queria expulsar todos dali e ficar sozinho no negócio. Então a guerra começou.

Toda a família se reuniu, e de armas em punho começou o tiroteio. As balas passavam quase raspando pela minha cabeça. Eu já não sabia mais o que era realidade ou "doideira". O coração batia de maneira descompassada, ficamos encurralados entre as ruelas do morro. Fugimos. Os tiros cada vez mais perto. As portas dos barracos se fechavam. Não havia ajuda. Havia sim, medo e cheiro de morte.

Eu e meus irmãos paramos para descansar, e no meio do tiroteio ouvi quando um deles olhou para o alto e disse "Senhor Deus, ajude-nos. Senhor dai-nos outra oportunidade".

Naquele momento senti a força da oração do meu irmão, e como um milagre verificamos que o inimigo começou a recuar. Olhamos e vimos que soldados do Sexto Batalhão de Policia Militar se aproximavam. Os "tiras" passaram por nós sem perceber a nossa presença. Depois disto saimos do morro. Eu continuei no Rio, trabalhando em minha loja de ourives, entretanto, ainda estava ligado aquele mundo de vícios, só com uma diferença, agora eu tinha que comprar drogas. O dinheiro que conseguia era todo "queimado" em "bagulho" e cocaína. Então, mais uma vez, a mão protetora de Deus se fez presente em minha vida. Como os negócios na loja andavam mal, aceitei a sociedade de um conhecido que era crente. E sem perceber comecei a ser evangelizado. Aos poucos a loja deixou de ser frequentada por assaltantes e traficantes. Uma nova clientela ia se formando, constituída de crentes que sempre recitavam passagens bíblicas e eu, entre um "bagulho" e outro, começava a refletir sobre Jesus. Até que um dia, minha cunhada trouxe uma palavra para mim que dizia "por que gastais dinheiro por aquilo que não é pão? e o produto do vosso trabalho com aquilo que não pode satisfazê-lo?"

Eu sentia cada vez mais e de maneira intensa que Deus me chamava, que tentava me resgartar para o seu Reino. Decidido aceitei participar de uma festa organizada por um grupo de evangélicos e na hora da mensagem, na hora do apelo, senti o chamado de Jesus... Foi como se eu renascesse. O passado de drogas parecia tão distante.... A maconha e a cocaína já não me atraiam. Eu me sentia liberto. Deixara de ser dependente dos vícios. Deste dia em diante nunca mais coloquei um cigarro de maconha na boca e a Bíblia começou a fazer parte da minha vida. Então lendo a Palavra pude perceber o quanto estava perdido, porque só quando se encontra a luz é que se tem consciência da escuridão... E eu já não estava mais nas trevas. Agora era possível enxergar o meu caminho.

Após seis meses da minha conversão, o Senhor sentiu o meu arrependimento e sinceridadee como prova de sua infinita bondade fui usado para resgatar um mendigo das ruas. Após este trabalho, a igreja se reuniu e fui eleito diretor de evangelismo. Desde que aceitei Jesus como meu Salvador, tenho espalhado a Palavra a todo momento, a todo instante, a todos que atravessam o meu caminho. Só agora compreendo porque tive que passar o que passei. Agora entendo porque fui um viciado, marginalizado e quase assassino. Era preciso conhecer o submundo, a sarjeta e a escuridão para poder levar luz aos que permanecem nas trevas e digo ainda que a minha última dose, a dose mais forte foi Jesus. Só Jesus preenche o vazio. Tenha o tamanho que tiver...



Ricardo Machado Rainha
Igreja Metodista Wesleyana de Vila Kennedy
Vila Progesso


Fonte: Jornal El Shadai, nº6, pág 20, Janeiro 1993.

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