sexta-feira, 15 de janeiro de 1993

Deixai vir a mim os pequeninos...

Vitor Campos

O problema do menor abandonado não é recente, entretanto, o mais preocupante e o que torna a situação mais crítica é que até hoje não foi resolvido.

O que se verifica é que o número de crianças que perambulam maltrapilhas pelas ruas tem aumentado. São crianças que dormem ao relento, sentindo além de frio falta do calor humano. São crianças das mais variadas idades que procuram comida no lixo. Que se prostituem. Que são violentadas física e espiritualmente. Que se viciam. Que morrem e que matam. Crianças mutiladas na infância que levam pelo resto da vida o estigma da rejeição do inconsciente coletivo da sociedade. A maior parte das pessoasas repudiam. A maior parte as crucificam. A maioria esqueceu que Jesus disse: "deixai vir a mim as crianças, e não as impeçai, porque delas é o reino dos céus".

Não se tenta justificar atos violentos cometidos por esses membros do submundo infantil. O propósito é resgatar e conscientizar-se de queo Brasil é considerado um país jovem, mas que terá no futuro grande parte de sua população constituída pelos filhos das ruas.

Ao constatar essa triste realidade, indaga-se: será que as autoridades estão se empenhando como deveriam? Até que ponto o Estatuto da Criança e do Adolescente está sendo respeitado e exercido? E as igrejas - o que têm feito para solucionar o problema? Os homens de Deus estão realmente se empenhando? Se cada igreja, seja evangélica ou não, se cada instituição filantrópica e sindicatos adotassem uma criança ou pelo menos desse apoio à iniciativa não estaríamos dessa maneira exercendo a nossa obrigação de cidadãos e nossa missão de filhos de Deus? O que nos impede? Seja o que for não deve ser maior do que a glória de praticar o bem... de seguir os passos de Jesus...

Para o pastor Emo Engelsdorf, secretário Executivo do Reencontro Obras Sociais e Educacionais, que existe há 17 anos no Centro de Niterói e que cuida de 400 crianças tendo como fundador o pastor Nilson do Amaral Fanini, a igreja como um todo não está fazendo quase nada. Ele menciona que as igrejas deveriam abrir durante a semana com o propósito de desenvolver atividades com as crianças de ruas e carentes. Engelsdorf, diz ainda que existem cerca de 4 mil igrejas evangélicas no Estado do Rio de Janeiro que poderiam dar assistência aos mais de dois milhões de menores que perambulam pelasruas.

Vitor Campos

Além disso para acabar com esse dilema é preciso resolver o problema dos pais. É primordial que haja empregos para que possam cuidar dignamente dos seus filhos. Se o governo tivesse como meta esse objetivo, certamente não existiria mais esse tipo de aberração. Como se isso não bastasse há também a deficiência escolar. As escolas públicas não correspondem às expectativas. Seria preciso escolas de tempo integral para terminar com a ociosidade dessas crianças. Aliado a isso é fundamental a educação religiosa para que a criança adquira uma formação moral e social.

Já Nilson Godoy, diretor do Lar Batista de Rio D' Ouro, que cuida de menores e anciãos, a internação de crianças tem que ser o último recurso. "Se pudermos ajudar a criança junto à família é bem melhor". É preciso que a igreja esteja atenta às dificuldades da família para poder auxiliar. Por isso é importante desenvolver uma ação mais concreta nesse aspecto, evitando portanto que o problema aumente a ponto da criança desejar ir para as ruas.

Questionado sobre o número crescente de menores abandonados, o pastor Godoy, diz que 95% das crianças do Lar Batista vem de lares não crentes. Nós não temos filhos de evangélicos que estejam na instituição porque o pai é um alcoolatra. Isso não quer dizer que os crentes não tenham crise social. Tem sim, mas à maneira deles. Os problemas são resolvidos com a fé em Deus.

Marcos Antônio Rodrigues Peixoto, pastor da Comunidade Evangélica da Zona Sul, afirma que a igreja tem feito pouco para tirar o menor abandonado das ruas. O pastor diz ainda que a igreja evangélica tem se apegado muito ao que é místico, o que é religioso, fechando-se dentro de si própria esquecendo a sociedade. "Nós como evangélicos temos feito muito pouco pela obra social, infelizmente os espíritas tem feito bem mais. Eu espero que neste ano que se inicia a igreja evangélica possa se conscientizar da obra social que deve ser desenvolvida".

O pastor Marcos Antônio, enfatiza ainda que a igreja também deve ter a preocupação de mudar o contexto social. Não vamos culpar somente o Governo, a sociedade. É preciso que também assumamos a nossa parcela de culpa nesse problema.

Já o pastor Márcio da Comunidade Evangélica de Madureira acha que a situação do menor abandonado deve ser vista sob dois aspectos: o social e o espiritual. "E preci so criar estrutura social, mas é fundamental que também haja apoio à nível espiritual". Na realidade a igreja tem a obrigação de suprir as necessidades de roupa, alimento e teto dos carentes. Entretanto é preciso também mostrar ao menor de ruas que Jesus, além de dar teto e comida também pode dar uma vida digna.

Vamos torcer para que em 1993 não tenhamos que registrar a miséria infantil. Para que não tenhamos que divulgar o extermínio de crianças, o tráfico de bebês, a covardiae abusos sexuais. Que não tenhamos que registrar a omissão das autoridades, a falta de solidariedade para com os "pequeninos". Vamos juntos, cada um tendo consciência de que unidos pelo amor construiremos um país melhor...

Para o Juiz de Menores do Rio de Janeiro, Liborni Siqueira, os "estatutistas" conseguiram cristalizar no espírito do legislador a tese de que o Código de menores precisava ser revogado porque era fruto de um governo autoritário, de doutrina fascista e antidemocrático.

Aduziram que o termo "menor" precisava ser banido sendo pejorativo, estigmatizante e ofensivo à dignidade da pessoa, ausente do efetivo processo educacional.

Aceitando as ponderações, que foram reforçadas por milhões de crianças, adolescentes e outros segmentos da sociedade, houve por bem o legislador revogar o "Código de Menores" substituindo-o pelo "Estatuto da Criança e do Adolescente".

O Estatuto oferece, entretanto, contradições irreparáveis: a uma enfeixa normas terrivelmente fascistas, esquecendo-se dos postulados das diversas ciências que regem o assunto. Além disso, segundo Libomi, é profundamente liberalista e anarquista, permitindo um processo claro de desassistência e marginalização da criança e do adolescente com a mistura sistemática de conceitos.

Pobre "menino de rua" nascido a semelhança do Cristo e da mesma formas traído por um Judas chamado Estatuto que lhe jurou proteger com "absoluta prioridade"


Fonte: Jornal El Shadai, nº6, págs 10 e 11, Janeiro 1993.

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