quinta-feira, 28 de setembro de 1995

O pastor reencontra sua alma


Al Green conta que Deus o faz promover o amor e pensa em dar 'canjas' no Free Jazz Festival

Por Antônio Carlos Miguel

Al Green - Divulgação
O cantor Al Green vai abrir o Free Jazz com uma banda de 18 músicos, misturando a música soul ao gospel

Nem tanto ao mar, nem tanto terra. Depois de voltar-se para as raízes do gospel e renegar por quase duas décadas a música "profana" que consagrou, o reverendo Al Green retornou aos braços da soul music. Em grande forma, como provou no álbum "Don't look back", de 1993, produzido por um dos papas do hip hop, Arthur Baker, e contando com parcerias e a participação do grupo inglês Fine Young Cannibals. Aos 49 anos, é este Al Green equilibrado que se apresentará na abertura do décimo Free Jazz Festi-val — ele canta no dia 17, no Metropolitan, na mesma noite de Roy Hargrove, George Duke e Rachelle Ferrell. De Memphis, Tennessee, EUA, em entrevista por telefone ao GLOBO, Green declarou-se ansioso para visitir o Brasil pela primeira vez e prometeu algo mais além dos shows programados para o Rio e São Paulo (onde se apresentará no dia 18).

— Amo Stevie Wonder, somos amigos há muitos anos. Adoraria fazer algo com ele no palco — disse. — Ainda não combinamos nada, mas é possível que nos juntemos. Também gostaria de fazer algo com o Sounds of Blackness.

Com 18 pessoas no palco, entre instrumentistas e vocalistas de apoio, Green está trazendo o mesmo show que costuma mostrar em suas apresentações nos EUA e na Europa. O repertório mistura seus maiores sucessos — "Put a little love in your heart", "Let's stay together", "Take me to the river", "I'm still in love with you", "Tired of being alone" — e muitos números de gospel. Ele também pretende incluir alguma coisa inédita, do álbum "Your heart is in your hand", que acabou de gravar com produção de Narada Michael Walden e que será lançado nos EUA em novembro. Neste disco, Green volta a conciliar a música soul com seus ideais religiosos. O que não aconteceu nos primeiros anos em que se dedicou ao Full Gospel Tabernacle, em Memphis.

"Quero cantar alguma música com Stevie Wonder"
"Ao entrar na igreja só via o que não podia fazer"

— Quando comecei na igreja, sentia que tinha muitas coisas que não poderia e não deveria fazer — explica Green. — Mas, com o passar do tempo, ao me sentir mais familiarizado com o que não podia fazer, descobri as coisas permitidas. Hoje, percebo que Deus é amor, e nós devemos promover mais o amor do que o ódio — prega o cantor e compositor.

O paraíso num falsete

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Sorte nossa que o machismo não venceu. Quando decidiu cantar soul, Al Green relutou em usar falsete, como sugeria seu produtor, Willie Mitchell. Achava que não era coisa de macho, sujeito homem. Sorte nossa,venceu o produtor: um falsete de Al Green é um flash do paraíso.

O público do Free Jazz terá a chance de ver um cantor iluminado. Não só por sua técnica — seu dom de descer ao poço dos graves e subir ao Himalaia dos agudos com firmeza e bom gosto — mas por seu feeling. Al Green entrega a sua alma quando interpreta (ele canta para Deus e para a mulher amada com o mesmo fervor), mas essa entrega nunca é bolero, nunca é derramada demais. O bom gosto nas improvisações e a inteligência na divisão rítmica das frases, fazem de Al Green um dos solistas masculinos do coro dos notáveis (junto com Stevie Wonder, James Brown, Sam Cooke, Otis Redding, Marvin Gaye, Curtis Mayfield, Little Richard, Smokey Robinson e Levi Stubbs, do Four Tops).

Ano passado saiu no Brasil um disco absolutamente viciante do cantor. "Don't look back", produzido por Arthur Baker e por dois terços do Fine Young Cannibals, foi ignorado pelas rádios daqui e do resto do mundo. Pior para elas. Quem quiser fazer um bem à própria alma, deve se encharcar de "Don't look back". Várias vezes por dia.

Cantor diz que gospel é sua fonte

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Al Green gostou da experiência com Arthur Baker e os Fine Young Cannibals, mas seu universo musical não avança muito além das fronteiras do soul e do gospel — " o soul veio do gospel. Qualquer tipo de música que você citar vem de uma base spiritual", diz. Dai nunca ter ouvido falar em acid jazz, que neste festival estará representado pelos grupos ingleses Jamiroquai e Brand New Heavies e pelo projeto Buckshot LeFonque, do saxofonista Branford Marsalis.

— Não conheço estes grupos, mas tenho interesse em assistir a seus shows, como também quero ouvir mais da música brasileira — conta.

Aproveitando a deixa, o que é que Al Green conhece da MPB? — Ouço a música de Sérgio Mendes desde que era garoto — exagera.

— Quando recebi o convite para tocar no Brasil fiquei muito feliz, os discos do Brasil 66 ainda estão na minha discoteca e volta e meia os ouço. Green vê com alegria um maior interesse pela música gospel, influenciando artistas que eram identificados com o pop: — Não sei por que isso acontece, mas realmente percebo artistas se voltando para o gospel. Luther Vandross é certamente um deles, assim como os O'Jay-se os Stylistics. Esta fusão é enriquecedora.

Mudando o disco, como Green acompanha os recentes problemas de Michael Jackson? Será que a carreira do maior popstar dos anos 80 vai sobreviver aos recentes escândalos, quando foi acusado de assediar sexualmente um menor de idade?

— Michael Jacskon é muito popular no mundo todo e acho que poderá se reerguer. Ele tem uma grande e fantástica carreira ainda pela frente. É só uma questão de ele superar os problemas, ter controle sobre tudo, já que hoje é um homem casado, tem uma família. Tudo que o permitirá ter uma vida maravilhosa — acredita o reverendo.


Fonte: Jornal O Globo, Segundo Caderno, pág 1, 28 de Setembro 1995.