domingo, 29 de maio de 1994

Gospel Campeão

Sounds of Blackness canta tema da Copa

Carlos Albuquerque

Sound of Blackness
O grupo de 30 vozes dá uma roupagem moderna ao gospel no disco "Africa to America: the journey of the drum", inédito aqui

Foi uma verdadeira jogada de craque dos organizadores da Copa: juntar o time de ouro do gospel com um carregador de piano da música pop. O Sounds of Blackness e Daryl Hall (do Hall & Oates) fazem as honras da casa e recebem o mundo da bola com "Gloryland", música-tema da maratona futebolística que começa no próximo dia 17 de junho com o jogo Alemanha X Bolívia, em Chicago, terra do blues.

"Gloryland" está no disco especial da Copa, breve nas lojas, com participações de Bon Jovi, Santana, James, Kool & The Gang, Gary Glitter e Queen, entre outros. Mas o camisa 10 desse time é mesmo o Sounds of Blackness, o maior grupo vocal dos Estados Unidos (são 30 vozes, geralmente acompa-nhadas por uma orquestra com dez integrantes) e, possivelmente, o melhor grupo vocal de um país onde a concorrência é grande e afinadíssima.

Formado em 1971 por Gary Hines — atualmente, seu diretor musical — com o nome Macalester College Black Choir, o grupo atravessou décadas aprimorando seu canto privilegiado e passando adiante história e cultura dos negros americanos.

Como o meio é a mensagem, essa jóia só pôde ser apreciado quando o SOB assinou com a Perspective Records (distribuída pela PolyGram) e se juntou aos produtores Jimmy Jam e Terry Lewis, que deram uma roupagem moderna à sua música. Seu terceiro disco, "Africa to America: the journey of the drum", recém-lançado lá fora, bate um boião ao misturar rap, rhythm and blues e jazz.

Daryl Hall tabela com 30 jogadores

Luiz Henrique Romanholli

Reproducao
Hall: tabelinha com o Sounds

LONDRES — Daryl Hall entende tanto de futebol quanto o Lazaroni. Mas coube ao soulman louro da Filadélfia tabelar em "Gloryland" com o Sounds of Blackness. No lobby de um hotel em South Kensington, ele conta como foi convocado para a Copa:

— A música foi escrita quando me pediram para cantá-la. Eu sou dono de um estúdio na Inglaterra e outro em Nova York, onde "Gloryland" foi gravada. Como a música é bastante influenciada pelo gospel, e eu canto soul, um ritmo bastante próximo do gospel, me convidaram para cantá-la.

Uniram o útil ao agradável. A infância de Hall na Filadélfia — um dos celeiros soul dos EUA — foi decisiva para o estilo do cantor, pois não?

— Claro. Foi onde eu cresci. Era possível ouvir boa música nas esquinas. Depois, eu me mudei para Nova York.

Outro lugarzinho danado de bom para quem gosta de soul. O fim da parceria com Oates trouxe mais liberdade. Mas seria a imagem da dupla e hits pregressos como "The maneater" e "Say it isn't so" um estigma na sua carreira solo?

— Nós nos separamos porque fazíamos tudo em conjunto desde a adolescência. Eu não me sinto confortável com situações confortáveis. Eu gosto de desafios. Acho normal que comparem, afinal, foram 21 álbuns juntos.

E a Copa, Daryl?

— Não acompanho esporte. Cheguei a jogar futebol na época da escola, algo incomum nos Estados Unidos. Mas serei neutro. Espero que o melhor time ganhe. Estou interessado na Copa. Nunca vi algo assim.

Luiz Henrique Romanholli viajou à Inglaterra a convite da gravadora PolyGram


Fonte: Jornal O Globo, nº 22.103, Segundo Caderno, pág 8 e 9, 29 de Maio 1994.

domingo, 14 de novembro de 1993

Para teólogo, evangélicos têm visão 'triunfalista'

Continuação da Matéria: A igreja que é um parque de diversões

Na opinião de Dom Estevão Bittencourt, teólogo do Mosteiro de São Bento, as estatísticas apresentadas pelos evangélicos não são confiáveis e, por isso, ele não acredita que os jovens estejam aderindo em massa a outras religiões. Ele afirma que os grupos crentes costumam apresentar números tendenciosos e exagerados, numa linha "triunfalista".

- Primeiro, é preciso provar que os jovens estão aderindo em massa às igrejas evangélicas. Mas não acredito nisso, porque conheço as estatísticas deles. E acho que não é muito diferente o número de jovens que freqüenta a igreja católica do que vai às evangélicas.

Já na opinião do vice-reitor para assuntos acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC), o padre jesuíta Jesus Hortal, de 66 anos, faltou dinamismo à igreja católica para se adaptar aos tempos atuais. Ele acredita que, hoje, cerca de 20% dos católicos praticantes sejam de pessoas de até 25 anos, e se mostra preocupado com a adesão dos jovens às igrejas evangélicas:

- Essas igrejas oferecem um ambiente alegre, mas totalmente descompromissado em relação aos grandes problemas do país. Em conseqüência, levam a juventude à alienação.

Até a ditadura militar, a igreja tinha movimentos populares, como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Operária Católica (JOC). A repressão, porém, levou os militantes a optarem por um caminho político-partidário, incompatível com a instituição.

- O engajamento é compreensível, porque faz parte da consciência social do cristão. Mas quando levou a uma opção partidária, a igreja não pôde acompanhar. A partir daí, os movimentos de ação católicos começaram a se desmantelar - observa padre Hortal.

Durante o período de repressão, a igreja ainda tentou manter vínculos com a juventude, criando movimentos como o Treinamento de Lideranças Cristãs. Segundo padre Hortal, o impacto inicial foi forte, mas faltou continuidade para o projeto dar certo. Hoje, existem apenas as pastorais da juventude, que trabalham ligadas às paróquias. O jesuíta afirma que toda igreja tem seu grupo jovem e cita como exemplo a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Leblon, cujo grupo de oração reúne cerca de 200 adolescentes.

- Para a igreja católica, um ponto fundamental é o engajamento. A igreja tem que ajudar os fiéis a assumir essa responsabilidade, porque não se pode colocar o cristão como um ser fora do mundo. Infelizmente a juventude atual é muito descompromissada e não se preocupa com o que está acontecendo a seu redor - afirma o padre.

Pastor: crentes não temem a modernidade

O presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEB), pastor Caio Fábio d'Araujo Filho, de 38 anos, afirma que as igrejas evangélicas são jovens: segundo ele, entre 60 e 65% dos 35 milhões de evangélicos do país têm, no máximo, 25 anos. Um fenônemo do Amapá a Porto Alegre e que, na opinião do pastor, tem três razões básicas: o desafio imposto pela fé evangélica, o estilo dos cultos e a atualização do que deve ser considerado sagrado.

- A fé evangélica desafia o jovem a crer num Deus que está presente e participante. Os cultos são alegres, animados por ritmos e letras atuais. Além disso, para os evangélicos, tudo que é sagrado pode ser atualizado através dos instrumentos de modernidade, como música, computadores, videogames, enfim, os recursos da multimídia - observa.

Em contrapartida, Caio Fábio lembra que a igreja católica resistiu e resiste ao diálogo com seu próprio tempo, não conseguindo perceber as mudanças que acontecem no mundo. Além disso, segundo o pastor, quando estabeleceu uma mudança, a igreja católica radicalizou, fazendo uma opção político-marxista, a chamada Teologia da Libertação. Mas para o presidente da AEB, essa não é a única causa do distanciamento entre os jovens e o catolicismo.

- Quando a igreja católica mudou, passou a achar que o homem era um agrande estômago, sem alma. Mas não é só isso: os ritos católicos ficaram associados, na cultura brasileira, a tudo de mais tedioso, chato e desagradável que se pode fazer - diz.

Para o pastor, a explosão evangélica é irreversível, porque os crentes não têm medo da modernidade. Os conceitos de pecado se limitam aos bíblicos, tornando o visual dos evangélicos cada vez mais próximo dos jovens de outras religiões. As concessões a todos os meios em busca de um objetivo só apresentam uma restrição: os evangélicos não aceitam o sincretismo com os cultos afro-brasileiros. Ou seja, não adianta esperar uma timbalada de Cristo.

- O visual dos evangélicos avançou rapidamente nos últimos dez anos. Por isso, o esteriótipo do crente, de bíblia sob o braço, terno e gravata, não tem mais nada a ver com a realidade - afirma Caio Fábio.


Fonte: Jornal O Globo, pág 26, domingo, 14 de novembro de 1993

A igreja que é um parque de diversões

Com grupos de rock e até videogames, os pastores evangélicos conquistam mais fiéis entre os jovens.

grupo yehoshua
Grupo Yehoshua

"Ô, ô, sangue bom é o Senhor".

Senhor? Ele mesmo: usando o nome de Jesus Cristo como bandeira, as igrejas evangélicas formaram, nos últimos anos, uma legião urbana de mais de 20 milhões de jovens, ou seja, quase 15% da população do Brasil - de acordo com os cálculos da Associação Evangélica Brasileira (AEB). Multimídia é a Bíblia dessa garotada, que usa programas de computador recheados de versículos, disputa a batalha de Jericó em videogame, e escuta grupos de rock, lambada, samba-reggae ou funk evangélicos - como provam os versos da banda Yehoshua (Jesus em hebraico), a do "sangue bom". O santo nome do Senhor chegou até o underground. Carecas, skinheads, punks e outras tribos estão se preparando para fundar a primeira igreja evangélica ligada ao mundo da contestação.

skinhead gospel

A imagem do "crente careta", de bíblia debaixo do braço, saia comprida, terno e gravata é coisa do passado. Os jovens cristãos vão ao cinema - e não fecham os olhos nas cenas mais ardentes - usam short e minissaia e até freqüentam barzinhos, arriscando um copo ou outro de cerveja. Também namoram e muito, mas, aí, começam as diferenças. As moiçoilas não evangélicas podem começar a correr atrás: os rapazes são fiéis. De verdade. A tal ponto que muitos se casam virgens. Mas romper a barreira da religião nem sempre é fácil.

- Namorei uma menina não evangélica e ela tinha ciúmes de Jesus. É lógico que não deu certo e terminamos muito mal - lembra Daniel Contreras Gutierrez, de 15 anos, da Igreja Presbiteriana Bethânia.

moda gospel
Moda gospel nas lojas

A juventude não se limita aos bancos dos templos. O pop não poupa ninguém - como pregava um antigo sucesso dos Engenheiros do Hawaii -, e cria até a figura do pastor pop: Marco Antônio Rodrigues Peixoto, de 39 anos, da Comunidade da Zona Sul, no flamengo, trouxe ao Brasil a banda de rock Whitecross e virou ídolo entre a juventude evangélica.

E se a turma até os 25 anos já foi conquistada, as igrejas evangélicas começam a preparar o crente do futuro. Em dezembro estréia o primeiro programa de televisão destinado ao público infantil. Semanal, com uma hora de duração, terá desenhos animados - com histórias bíblicas, é lógico - brincadeiras e até uma apresentadora. Beijinho, beijinho, aleluia, aleluia.

djalma mesquita e Benilton Maia
VM Show apresentado por Benilton Maia (dir) e Djalma Mesquita
Fonte: Jornal O Globo, pág 26, domingo, 14 de novembro de 1993.

sexta-feira, 5 de novembro de 1993

O grupo americano Whitecross se apresenta em festival de ´gospel` no Sambódromo

Te esconjuro, Madonna. Um exército formado por 16 bandas evangélicas vai empunhar bíblias e guitarras na Praça da Apoteose nesta sexta e sábado (dia do show da blondie). E promete lotar o Sambódromo dois dias seguidos durante o Gospel Power Festival. Quem lidera o batalhão é o grupo americano de heaven metal Whitecross, bando cabeludo adorado pela tchurma evangélica, que se apresenta no Brasil pela primeira vez.

Além do destaque internacional, o festival vai colocar na dança a nata do gospel brasileiro. E já elegeu até sua Madonna: a louríssima Marina de Oliveira. Entre as atrações confirmadas, estão as bandas Rebanhão (o mais famoso grupo evangélico brasileiro, conhecido por seus hinos bem-humorados), a hard-rock Oficina G3, a paulista Resgate, a funkeira Kadoshi, o Novo Som _ que lançou o estranho ritmo gospel-charm e que se firma como a atual febre da rapaziada cristã _ e a banda Katsbarnéa, que está no terceiro disco bem sucedido. O ingresso, como convém a um concerto evangelicamente correto, é um quilo de alimento não perecível.

Gospel Power Festival - Praça da Apoteose, Centro. 6ª, às 19h, e sáb., às 17h. O ingresso é um quilo de alimento não perecível.



Fonte: Jornal do Brasil,  05/11/1993.


segunda-feira, 1 de novembro de 1993

Ajuste fiscal prevê quebra de sigilo bancário

A proposta de reforma fiscal que o Governo encaminhou ao Congresso Nacional irá alterar 25 dispositivos da Constituição, inclusive permitindo que o Ministro da Fazenda, Gustavo Krause, quebre o sigilo bancário de pessoas físicas e empresas suspeitas de sonegação. A proposta determina ainda a extinção de cinco impostos e a criação de quatro novos tributos, que vão auxiliar a União a obter em 1993 ganho adicional de 15 bilhões de dólares.

O Governo propõe a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, do Imposto sobre Ativos, do Imposto Seletivo e da Contribuição sobre o Valor Agregado. Quer ainda a eliminação do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), do Fin-social, do PIS/Pasep, da Contribuição sobre o Lucro e do Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis.

Fonte: Jornal El Shadai, nº3, pág 7, Novembro 1992.

segunda-feira, 25 de outubro de 1993

Gospel Power Festival

Assinado: entre a Riotur e o pastor Marco Antônio Ribeiro, o contrato para a realização do Gospel Power Festival, que pretende levar para a Praça da Apoteose, nos dias 5 e 6 de novembro, uma platéia de mais de 200 mil pessoas, quando o local não comporta nem 10% dessa lotação. Oferecendo o grupo de gospel White Cross como trunfo, a comunidade evangélica quer arrebanhar as ovelhas desgarradas do Maracanã, onde a loura mais erótica do planeta faz show no dia 6. Madonna que se cuide.


Fonte: Jornal do Brasil, pág. 12, 25/10/1993.

domingo, 26 de setembro de 1993

Alma musical de uma "lady"

por Árik de Souza

CD duplo reúne em 38 faixas
o estilo de Aretha Franklin

A filha do reverendo Clarence Franklin _ um desses tótens de carisma evangélico, mix de pregador e show man - foi educada na motortown Detroit, com o gospel de Mahalia Jackson, o blues/jazz de Dinah Washington e o rhythm & blues de Sam Cooke e Clara Ward a domicílio. Aretha Franklin poderia ter seguido o caminho musical que lhe desse na cabeça, adornada pelo cabelo turbante armado com laquê. Em vez de solução, este ecletismo se transformou num problema. Entre 1960 e 1966, os executivos da Columbia atiraram em todas as direções mas não conseguiram emplacar Aretha Franklin no alvo da Lady Soul revelada nos discos seguintes I never loved a man (The way I love you) e Respect, da Atlantic. O CD duplo Jazz to soul, que acaba de ser lançado, inventaria estes rascunhos com rara franqueza em 38 faixas que valem como um rallie estético. O disco prova que Aretha já nasceu feita. Ou quanto é surda a indústria musical.

A decisão pela carreira artística da garota nascida em Memphis, em 1952, baixou numa cena teatral durante uma cerimônia fúnebre. O desempenho da ídola Clara Ward comoveu a adolescente Aretha. Contagiada, ela descobriu a cabeça e atirou o chapéu no chão. Outro reverendo, James Cleveland, frequentador da casa dos Franklin, orientou a pupila no vocal e piano. E ela tomou conta do culto dos domingos da Igreja Batista de New Bethel. Com apenas 14 anos estreou em disco gravado na igreja de Detroit para o selo JVP, The gospel souls of Aretha Franklin, reeditado pela etiqueta bluseira Chess Records, nos anos 60. O descobridor de talentos da Columbia, John Hammond (o mesmo que farejou de Billie Holiday a Bob Dylan), tarou pelo demo da cantora de Today I sing the blues, original de Helen Humes, de 1948. "Fiquei totalmente dominado pela voz", admitiu. Contratou-a antes da RCA, que corria atrás por indicação de Sam Cooke.

Aretha gravou nos estúdios da 30th Street, em Nova Iorque, a inicial Today I sing the blues (a que abre o CD duplo, pavimentada pelo piano de Ray Bryant e a guitarra de Lord Westbrook) um imediato sucesso que emendaria com Won`t be long (76º na lista da Billboard no começo de 1961) numa falsa ascensão rápida. A seguir, discos como The eletrifying Aretha Franklin e The tender, moving, swinging Aretha mostravam que os produtores, mesmo o craque Hammond, começavam a andar em círculos. Jazz to soul viaja dos corinhos doo-wop ao instrumental jazzístico. Fica a contribuição milionária de erros como o de tentar ir na cola do baiãozinho bossa soul gravado por Dionne Warwick Walk on by, ou emular Brenda Holloway em Every little bit hurts e Barbara Lynn em You'll lose a good thing.

Mesmo sem uma definição estilística, Aretha cintila nas homenagens a Dinah Washington (What a difference a day makes, Drinking again), em Muddy waters e na jazzy Love for sale, além da balada jazz Blue holiday. Nas antecipadoras Running out of fools, Trouble in mind e Bit of soul já se desenha o pedestal da Lady Soul, erigido pelo produtor Jerry Wexler, na Atlantic. Qual a mágica que a transformaria numa devoradora de Grammies, par perfeito para o modelito soul/gospel formatado pela garganta arenosa de Ray Charles? "Eu a fiz sentar no piano e levei-a de volta à igreja", ensinou o produtor.



FONTE: Jornal do Brasil, pág 35, 26/09/1993.