domingo, 14 de novembro de 1993

Para teólogo, evangélicos têm visão 'triunfalista'

Continuação da Matéria: A igreja que é um parque de diversões

Na opinião de Dom Estevão Bittencourt, teólogo do Mosteiro de São Bento, as estatísticas apresentadas pelos evangélicos não são confiáveis e, por isso, ele não acredita que os jovens estejam aderindo em massa a outras religiões. Ele afirma que os grupos crentes costumam apresentar números tendenciosos e exagerados, numa linha "triunfalista".

- Primeiro, é preciso provar que os jovens estão aderindo em massa às igrejas evangélicas. Mas não acredito nisso, porque conheço as estatísticas deles. E acho que não é muito diferente o número de jovens que freqüenta a igreja católica do que vai às evangélicas.

Já na opinião do vice-reitor para assuntos acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC), o padre jesuíta Jesus Hortal, de 66 anos, faltou dinamismo à igreja católica para se adaptar aos tempos atuais. Ele acredita que, hoje, cerca de 20% dos católicos praticantes sejam de pessoas de até 25 anos, e se mostra preocupado com a adesão dos jovens às igrejas evangélicas:

- Essas igrejas oferecem um ambiente alegre, mas totalmente descompromissado em relação aos grandes problemas do país. Em conseqüência, levam a juventude à alienação.

Até a ditadura militar, a igreja tinha movimentos populares, como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Operária Católica (JOC). A repressão, porém, levou os militantes a optarem por um caminho político-partidário, incompatível com a instituição.

- O engajamento é compreensível, porque faz parte da consciência social do cristão. Mas quando levou a uma opção partidária, a igreja não pôde acompanhar. A partir daí, os movimentos de ação católicos começaram a se desmantelar - observa padre Hortal.

Durante o período de repressão, a igreja ainda tentou manter vínculos com a juventude, criando movimentos como o Treinamento de Lideranças Cristãs. Segundo padre Hortal, o impacto inicial foi forte, mas faltou continuidade para o projeto dar certo. Hoje, existem apenas as pastorais da juventude, que trabalham ligadas às paróquias. O jesuíta afirma que toda igreja tem seu grupo jovem e cita como exemplo a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Leblon, cujo grupo de oração reúne cerca de 200 adolescentes.

- Para a igreja católica, um ponto fundamental é o engajamento. A igreja tem que ajudar os fiéis a assumir essa responsabilidade, porque não se pode colocar o cristão como um ser fora do mundo. Infelizmente a juventude atual é muito descompromissada e não se preocupa com o que está acontecendo a seu redor - afirma o padre.

Pastor: crentes não temem a modernidade

O presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEB), pastor Caio Fábio d'Araujo Filho, de 38 anos, afirma que as igrejas evangélicas são jovens: segundo ele, entre 60 e 65% dos 35 milhões de evangélicos do país têm, no máximo, 25 anos. Um fenônemo do Amapá a Porto Alegre e que, na opinião do pastor, tem três razões básicas: o desafio imposto pela fé evangélica, o estilo dos cultos e a atualização do que deve ser considerado sagrado.

- A fé evangélica desafia o jovem a crer num Deus que está presente e participante. Os cultos são alegres, animados por ritmos e letras atuais. Além disso, para os evangélicos, tudo que é sagrado pode ser atualizado através dos instrumentos de modernidade, como música, computadores, videogames, enfim, os recursos da multimídia - observa.

Em contrapartida, Caio Fábio lembra que a igreja católica resistiu e resiste ao diálogo com seu próprio tempo, não conseguindo perceber as mudanças que acontecem no mundo. Além disso, segundo o pastor, quando estabeleceu uma mudança, a igreja católica radicalizou, fazendo uma opção político-marxista, a chamada Teologia da Libertação. Mas para o presidente da AEB, essa não é a única causa do distanciamento entre os jovens e o catolicismo.

- Quando a igreja católica mudou, passou a achar que o homem era um agrande estômago, sem alma. Mas não é só isso: os ritos católicos ficaram associados, na cultura brasileira, a tudo de mais tedioso, chato e desagradável que se pode fazer - diz.

Para o pastor, a explosão evangélica é irreversível, porque os crentes não têm medo da modernidade. Os conceitos de pecado se limitam aos bíblicos, tornando o visual dos evangélicos cada vez mais próximo dos jovens de outras religiões. As concessões a todos os meios em busca de um objetivo só apresentam uma restrição: os evangélicos não aceitam o sincretismo com os cultos afro-brasileiros. Ou seja, não adianta esperar uma timbalada de Cristo.

- O visual dos evangélicos avançou rapidamente nos últimos dez anos. Por isso, o esteriótipo do crente, de bíblia sob o braço, terno e gravata, não tem mais nada a ver com a realidade - afirma Caio Fábio.


Fonte: Jornal O Globo, pág 26, domingo, 14 de novembro de 1993

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